—  Vocês estão sempre brigando!

- Brigas em toda a parte! Em casa, na rua, no supermercado, na praia, em casa, nem sei onde!

- ………

—  Não, desculpem, não quis dizer bem assim! Mas vocês vivem discutindo, reclamando, sendo grosseiros!

—  ………

—  Como não ? No cinema, então, é só isso o que se vê!

—  ………

—  Sim, claro, não é culpa de vocês o que acontece no cinema, não são vocês que fazem os filmes, eu sei disso, não sou idiota.

—  ………

—  Sim, não me chamou de idiota, mas quis dar a entender. É o que eu digo, vocês passam todo o tempo discutindo, brigando, não aprendem nunca, não respeitam seu pai, sua mãe, não gostam deles.

—  ………

—  Não, não quis dizer bem assim, sei que gostam deles, mas não valorizam o esforço que eles fazem, para criar e educar vocês! O maior erro do mundo é ter filhos, só incomodam.

—  ………

—  Não, não, desculpem, não quis dizer isso, é que estou perturbado, com todas essas brigas. Além disso, tenho tido outros problemas, no meu serviço. Também, os pais de vocês não tem um mínimo de paciência, não tem sensibilidade para entender vocês, se é para isso, não sei porque resolveram ter filhos, são uns irresponsáveis!

—  ………

—  Não, desculpem, não foi isso que eu quis dizer, mas vocês ficam me provocando, sabem que eu não gosto dessas brigas!

—  ………

—  Desculpem, tenho andado muito cansado, vou tentar me controlar, preciso de umas férias!

—  ………

—  Não, férias não, todas aquelas brigas de novo!

— Ah! Não é bem assim, eu sei!

É, eu sei, claro que sei!  Não é que haja brigas em toda a parte, mas há  brigas em muitas partes, em muitos lugares, em muitas horas. Claro, também há horas de entendimento, de harmonia. E,   sim,  muitas famílias raramente têm desentendimentos, vocês têm razão!

Mas muitas outras famílias falam dessa maneira que eu falei! Vê-se isso freqüentemente. Pessoas que se querem bem, e não conseguem se entender e não conseguem viver sem atritos um tempo maior do que algumas horas. Nos filmes, isso é mostrado muito claramente, não só em relação a filhos, como também no relacionamento dos casais (também de pessoas sem laços familiares, brigas entre grupos religiosos e políticos, entre países etc mas esse é um outro assunto, não propriamente para um psiquiatra como eu).

Voltando ao ponto, por exemplo o  que se vê nos filmes, retratando o que acontece tanto na vida real, é que pessoas que se gostam e têm, em geral, os mesmos objetivos, têm opiniões diferentes, e não chegam a uma concordância. Há incompreensão, uma troca de palavras ásperas, um afastamento. Muitas vezes, nem há propriamente grandes diferenças de opinião, nem chegam a se esclarecer as divergências de opinião, acontece a discussão e as pessoas se afastam.  Isso se repete dias, meses e anos, tirando muito do prazer e da alegria que seriam possíveis na família e na vida.

Este livro

Este é um livro sobre o relacionamento entre pais e filhos. Não pretende ser propriamente  um livro sobre problemas  de crianças e adolescentes, embora inclua muitos comentários sobre isso. É especialmente um livro sobre como conversar com os filhos, como “dialogar”.

Escrevo da perspectiva de um psiquiatra clínico, em  que observo o convívio entre as pessoas nas famílias e  as condições que tornam esse convívio agradável, harmonioso e produtivo;  observo também, nos adultos, as boas conseqüências de uma infância desenvolvida num ambiente familiar afetuoso e os prejuízos duradouros de um ambiente de brigas  na infância.

Parte do que os pacientes e psiquiatra falam num consultório é particular, específico das pessoas que estão fazendo  a consulta; muita coisa do que se fala, no entanto, tem validade mais ampla, poderia ser aplicado para a maioria das pessoas, ser utilizado por muitas delas. Este livro pretende divulgar esses conhecimentos da psiquiatria de validade mais ampla no tocante ao relacionamento dos pais e filhos, na expectativa  de que sejam proveitosos para  muitas pessoas e muitas famílias sem que elas necessariamente tenham que comparecer a um consultório ou servindo como uma preliminar e uma motivação para esse comparecimento.

Não basta, para uma vida familiar agradável, as pessoas terem boas intenções e amarem seus filhos e os filhos amarem seus pais. O relacionamento entre pais e filhos, para ser bom, depende, também, necessariamente da comunicação entre eles. Este livro quer  ajudar os pais e os filhos a  conversar para se entenderem e viverem melhor; traz  também sugestões de como encarar os assuntos cotidianos da vida de uma família.