Eis um relato de uma mulher sofrida mas corajosa:

Hoje, dia 31 de março de 2008 quando são exatamente 12:19 horas eu, Helena, tive o prazer de falar com um Dr. Valter Daudt que me uma deu uma força, ou melhor, duas, porque me ajudou com uns trocados e me incentivou a escrever alguma coisa sobre a minha vida.

Eu já vou começar logo a escrever, primeiro, porque eu gosto muito de escrever e segundo, sei que o que vou escrever vai ser de grande valor para as pessoas amantes da leitura.

Sou uma mulher com 54 anos e já vivi tudo de bom e de ruim em minha vida, mas para falar a verdade, a pior fase que eu passei foi quando eu perdi meu marido. Ele virou a cabeça, me largou com cinco filhos, o mais velho André com 13 anos, o Carlos com 12, uma menina Anita com oito, outra, a Salete, com quatro e o pequeno Paulo com dois anos e três meses. Oito meses fiquei sem condições nenhuma, nem de cuidar dos meus próprios filhos, porque eu não esperava que de quase 20 anos de casada fosse me acontecer uma tragédia desta. Depois de tanto tempo, uma união que parecia tão sólida se desmoronou assim como um muro mal feito.

Bem, mas para falar bem a verdade, eu não lamento tanto o fato de ter perdido o marido, a pior parte foi quando eu resolvi sair da cidade onde morava e vim aqui para Porto Alegre. Na época, as minhas irmãs moravam aqui, então, resolvi vender o que eu tinha lá e vir para cá. Aí, então, foi a decadência final da minha família, meu casal de filhos – o Carlos, de 12 e a Anita de 8 – começaram a se juntar com crianças da idade deles que viviam na rua.

Eu tinha que trabalhar para sustentá-los. Eu trabalhava em uma reciclagem de lixo e não podia faltar, pois era descontado e a gente já não tinha muito, mal dava para comer e eu não queria ver os meus filhos passando fome. Mas, a situação foi para um ponto que eu não suportei mais. Já tinham se passado quase três anos que eu estava levando como dava, porque o que mais me desesperava era a ideia de ter que me separar dos meus filhos.

Contudo, a situação ficou tão insuportável: meu casal de filhos que andavam na rua, o Carlos e a Anita, começaram a usar drogas. Aí sim eu entrei em pânico, sem saber o que fazer. Foi então que eu procurei o meu ex-marido e expliquei a situação e entreguei as crianças para ele.

Então, eu pensei que estava tudo perdido e andei fazendo um bocado de bobagens, pois para mim estava tudo acabado, sem meus filhos a vida não tinha mais sentido nenhum. Comecei a beber e a fumar como uma condenada. Comecei a sair à noite, pensando em me distrair. Mas, eu estava ficando cada vez pior, isso levou um bom tempo até cair a ficha.

Quando eu voltei a mim, eu vi que eu estava me prejudicando e fui procurar serviço de novo e comecei a trabalhar novamente. Quando eu estava querendo me equilibrar, chegou a notícia mais fulminante da minha vida, esta notícia me matou uns dez anos. Vieram a me contar que a menina, a Anita, tinha falecido. Ela já estava com 14 anos, já fazia seis anos que eu tinha perdido meu marido.

Quando eu soube, era em abril, já fazia um mês que a Anita tinha morrido. Eu entrei em depressão. Meu irmão mais velho cuidou de mim. Me levou no médico e dali a dois meses eu voltei a trabalhar, pois de qualquer maneira, a minha vida tinha que continuar. Mesmo com o meu coração despedaçado, eu não podia me entregar às armadilhas que a vida me preparava, e continuei na luta do dia-a-dia, já não com tanto entusiasmo - mas fazer o quê? Eu não podia parar, senão, como é que eu ia me manter sem trabalhar? Meus parentes não podiam me sustentar.

Mas, para encurtar um pouco o caso, em dezembro do mesmo ano, isso foi exatamente no dia 11, eu estava de passeio na casa de minha mãe, em Sapucaia, quando chegou a ambulância do Hospital de lá avisando que o meu filho Carlos tinha sido levado mal para o hospital e acabou morrendo também. Bem, eu entrei num transe que na hora eu não consegui chorar, fui à funerária, fiz tudo que tinha, fui reconhecer o corpo no IML, nessa hora, bateu um desespero, mas o pessoal me acalmou e eu passei a noite na capela de outro velório, pois o corpo o meu filho não foi liberado naquele dia, porque os papéis não ficaram prontos. Quando foi 11h da manhã, do dia 12 de dezembro, o carro fúnebre encostou na capela do cemitério com o corpinho do meu rico filho. O meu filho mais velho, o André, foi quem veio com ele. O caixão estava lacrado, porque já estava em estado de decomposição, ele era portador do HIV, e não dava para abrir. Então foi feito o que tinha que ser feito.

Hoje em dia, vivo aqui neste mundo de Deus, aqui nestas ruas, na redondeza desta praça. Vou levando a vida conforme ela é. Não atropelo nada e ninguém. Já descobri que por conta das bebidas que andei tomando, estou com cirrose, com complicações nos rins, hepatite, tireoide e para completar, fui parar duas vezes no hospital com crise de angina. Mas, nem por isso eu me entrego, pois entre tantas coisas ruins que me aconteceram, agora se abriu um novo horizonte no meu caminho: o mundo mágico da arte, passei a desenhar e a pintar. Eu acho que este dom que eu tenho para pintar foi Deus que deu para que eu possa preencher o meu coração e ter coragem de continuar vivendo.

Apesar de eu não ter moradia, eu me sinto razoavelmente bem, porque tenho as pessoas que me dão seu carinho, parando para olhar meu trabalho, me incentivando com palavras, me apoiando com algum dinheiro. Essas coisas é o que vão me dando motivo para ir levando a vida, aqui na praça divulgando o meu trabalho.

Bom, por tudo que eu já passei, posso dizer, que agora eu estou muito tranquila. Primeiro, porque eu tenho estas pinturas que eu faço que me tiram deste mundo; quando eu estou ali, envolvida com minha arte, eu saio da realidade e entro no mundo da magia que, para mim, é muito gratificante, porque assim eu me acalmo bastante e me sinto muito bem comigo mesma.

E outra coisa me deixa muito feliz, é quando estas pessoas queridas param para me dar seu apoio, tanto material como fraternal. Aí sim eu me sinto realizada, pois quem de nós, hoje em dia, não está precisando de um apoio, seja ele qual for? Nós estamos sempre precisando de alguém que nos escute, que nos fale de coisas boas, claro que nem sempre vem gente te dar alento, mas vem também te pedir. É nessas horas, que eu acho que é muito importante que nós estejamos muito bem preparados não só para receber, mas também para dar, porque é podendo dar que se percebe como é bom receber.

Bem, tendo em vista tudo que eu já consegui sobreviver, agora até parece que eu estou num mar de rosas. Estou podendo dormir num albergue, é um lugar limpo para dormir. Tenho boa alimentação, meu banho sempre, roupa limpinha para vestir, é claro que sou eu mesma que lavo, mas isso também seria um cúmulo se eu não fizesse, depois de tanto que as pessoas lá no abrigo fazem por mim. Me dão toalha, pijama, roupa de cama limpa, comida feita na hora. O que eu posso querer mais delas? Me tratam com todo respeito, como se eu fosse alguém do seio de sua própria família. E agora, nesses últimos dias, também já apareceram pessoas que estão na batalha.

Tenho a esperança de um dia poder sair da rua definitivamente, ter o meu cantinho para morar. Isto para mim vai ser muito importante, porque eu preciso de local definitivo para morar, pois estou com minha saúde bastante comprometida, e tenho que fazer um bom tratamento, mas estando na rua, como eu vou conseguir me tratar como manda o figurino? Nunca!

Mas, igual com as minhas artes eu não vou parar, pelo contrário, vou continuar e com certeza, se tudo der certo, como eu espero que de certo, eu voltar para divulgar meu trabalho, com a cabeça erguida, sem precisar incomodar as pessoas, pedindo um troco para um, outro troco para outro. Eu sei que sempre tem aqueles que se sentem incomodados com isso, porque acham muitas vezes que a gente está assim porque quer, ou porque gosta. É claro que nunca souberam o que já foi fome, frio, trabalhar tipo bicho para poder se alimentar mal e porcamente, muitas vezes, tendo que comer restos de comida dos outros para não desmaiar de fome.

E é por isso que eu digo que hoje em dia a minha vida já está dando uma boa virada ... Eu não vou dizer que vou sair hoje ou amanhã da rua, mas pelo menos já está sendo agilizado este lado para mim. Em vista, eu estou me sentindo muito melhor, mas também se não acertar desta vez, eu não sou mais aquela que se deixa cair, porque hoje em dia eu sei que enquanto se fecha uma porta para a gente, outras tantas vão se abrindo, é só a gente saber esperar.

As coisas vêm pra gente bem naquele momento em que nós menos esperamos, pois uma coisa é certa, eu falo por experiência própria, se a gente fica muito ansiosa esperando as coisas acontecerem na hora que a gente quer, acaba sempre dando errado, porque tem aquele ditado muito antigo e muito certo: "O apressado come cru." E se for por isso eu nunca vou comer cru, porque o que eu mais tenho é calma. Há quantos anos eu vivo esperando? Não me custa nada esperar mais um pouco. E notem bem que esse pouco que estou falando pode durar horas, meses, anos. Não sei.

Mas o importante é que sempre estou confiante que nos dias atuais em que vivemos, com tanta maldade, ainda existem pessoas com muito amor para dar ao seu próximo. Como no momento estou precisando de atenção e carinho, pois me sinto mais frágil do que nunca, mas isto não significa que eu não tenho tudo isso para dar também. Talvez, até mais do que as pessoas possam imaginar, porque hoje a maioria acredita no amor, mas acreditem que com Deus no coração a gente ainda tem muito pra dar e sempre vai conseguir o que espera.